quarta-feira, 1 de abril de 2020

Quando sou chuva



Ás vezes ela vem como a chuva: de mansinho. Eu sinto o ar mudar, mesmo que continue tudo igual. Percebo as nuvens se formando e tudo que posso fazer é esperá-la desabar. Isso pode demorar dias. 
Ás vezes vem um vento do sul que levam as nuvens embora e torna tudo ensolarado outra vez. Mas há vezes que o vento vira e a trás com ainda mais força.
Há vezes que é garoa: mansa, quieta; vem, molha e passa. Mas há vezes que é tempestade: enxarca, alaga, invade, carrega, sufoca, arde; e no meio da enchente me vejo sozinha tentando emergir em meio aos rodopios e cambalhotas, me agarrando nas pedras para tentar me levantar, as vezes apenas procurando permanecer sã.
E tão logo veio, vai. Carregada pelos ventos do sul. E a unica coisa que posso fazer é recolher os pedaços que foram levados pela enchente, na incerteza de quando a verei novamente.
Hoje sou chuva

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Silêncio

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Nada mais existia
Não havia mais transito, nem a vizinha gritando com o filho. Não havia mais o chefe fazendo piadas machistas, o cachorro magro virando o lixo na rua, a vizinha que sorria ao dar "bom dia", a ambulância com a sirene ligada ou o morto sangrando na calçada. 
Não havia nada.
Não é que todos haviam sumido. Não, todos continuavam a viver as suas vidas, ela é que  um dia acordou e já não mais existia. Assim como um passe de mágica, ela desapareceu.
Imersa na escuridão ela sorriu, e então chorou, e então gritou; e gritou mais alto para depois gargalhar. E gargalhou até a barriga doer e ela voltar a chorar. 
Tudo no mundo havia, exceto ela
Tudo ainda existia, exceto ela
Tudo ainda vivia, exceto ela
Sentiu o desespero tomar conta de si enquanto percebia a realidade
"Tudo no mundo havia, exceto ela
Tudo ainda existia, exceto ela
Tudo ainda vivia, exceto ela"
Então, no meio do manto escuro que a cobria, reluziu uma luz que foi crescendo até envolver o todo. Do silêncio surgiram ruídos ao longe: crianças brincando, pessoas dançando, cachorros latindo, um rio passando. E então a calma a inundou como águas profundas de um rio.
"Tudo no mundo ainda havia
Tudo ainda existia
Tudo ainda vivia
exceto ela"
e então se fundiu ao rio e deixou a correnteza levar, para assim desaparecer.
Completamente


domingo, 1 de setembro de 2019

De todos os anjos na terra.




Todo mundo tem uma história de vida, disso já é sabido, mas há vezes que que a história só se inicia depois que a vida se acaba.
Ela sempre foi um ser um pouco diferente. Mesmo em vida, tinha empatia por todo e qualquer ser vivo. Fazia o possível para ajudar, mesmo que isso custasse sua própria felicidade.
Por isso, quando sua hora chegou, Deus decidiu que aquela alma era pura demais para o mundo humano e não merecia viver o pecado dos outros. A abrigou em seu braços.
Porém, o que era para ser sua salvação divina, tornou-se sua tortura. O triste anjo observava lá de cima as pobres almas atormentadas e chorava pela sua incapacidade de fazer algo a respeito. Mesmo após eras, enquanto todos os seres divinos - e ás vezes o próprio Senhor - aparentavam haver desistido de seres ditos tão vis, ela ainda se atormentava e sofria junto com eles.
Deus, cansado de ver aquela pobre criatura passando a eternidade em desgosto, pensou que ela poderia ser uma luz para a humanidade.
 - Irei te designar a missão mais importante, que é trazer esperança para os humanos. Irás voltar à terra como um deles, tanto em aparência, quanto em forma de agir - tendo defeitos como eles próprios e passando pelas mesmas tentações. Tu não se lembrarás sobre o tempo que passaras  aqui em cima até o dia que deverás retornar. Sei que sua essência irá te guiar, e estaremos sempre te observando daqui.
E assim foi feito, o a pobre alma atormentada era agora um anjo tão bem  disfarçado que nem ela sabia disso.
Mas ela sentia algo dentro de si, e os outros sentiam também. Por vezes era questionada pelos amigos se não era um "anjo disfarçado". Tal indagação era seguida por risos de ambas as partes juntamente com um "até parece". Mas a verdade é que no fundo, todos sabiam a verdade. Sempre soubemos. Todos, exceto ela própria.
Veja bem a ironia do destino: foi designada a fazer bem por onde passasse, e isso que tem feito desde o dia de seu nascimento. Porém, ela mesma nunca percebeu, pois o "fazer bem" dela é o simples ato de existir. Apenas sua presença e algumas doces palavras possuem a capacidade de curar feridas profundas, dores na alma e angustias da mente. Esse poder invisível que abraça a gente e aquece como abraço de mãe permanecerá com ela e dentro de todos que algum dia tiverem a sorte de conhecê-a, até o dia que terá que retornar à sua casa na eternidade.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

O lençol



Lençóis, de uma maneira geral, são extremamente inúteis.
Talvez eu que seja um pouco problemática, mas qual é a utilidade de estender um pedaço de pano em cima do colchão para, supostamente, protegê-lo, se não vai ter pano nenhum quando você acordar? Ou melhor, vai ter, mas lá no seu pé!
Com exceção da vez que acordei sendo enforcada pelo meu lençol – e não me pergunte como isso aconteceu -, toda manhã é a mesma coisa. Essa inútil invenção humana, não satisfeita em deixar meu pobre colchão despido, e meus pés atados e impossibilitados de se mexer, ainda faz questão de ficar caído no chão!Isso sem contar o desconforto que é alguém chegar no seu quarto numa linda manhã de sol para te acordar e perguntar:¨você dorme sem lençol?¨
Certo dia acordei extremamente feliz, não só por que eu tinha dormido super bem, mas também porque meu colchão estava – finalmente- vestido!Fiquei tão feliz em ver o lençol ao menos uma vez em seu devido lugar, que resolvi ficar mais um pouco na cama, Me espreguicei e me virei. Fui desiludida no instante seguinte. A outra parte do colchão estava completamente nua.












Alice Michaelis luta com seus lençóis até hoje











Esse texto foi escrito ha mais de oito anos e quase se perdeu pela vida. Resolvi publicar aqui pois percebi que algumas coisas da vida nunca mudam...

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Essência da Alma





Do papel branco, formaram-se cores
e da tela pálida, universos.
Das tristezas, arrancou sorrisos
e das paisagens, pensamentos imersos

Pintava com lápis, caneta, giz
Com qualquer coisa ele criava
A cada traço, sua alma mais feliz
O traçado do pincel o completava

Durante os problemas enfrentados
Em seus desenhos ele se refugiava
E por mais que a vida lhe fosse cruel
era seu mundo que importava

Fora assim desde sempre
Aprendera a nunca perder a calma.
Pois, mesmo com os defeitos deste planeta
O que lhe importava era a essência da alma


domingo, 27 de julho de 2014

Domingos chuvosos


E de repente, viu - se presa em uma realidade quase inversa à que estava poucos minutos atrás - em seu sonhos. Seu corpo parecia pesar toneladas, enquanto afundava naquela superfície macia em que estava estendido. Fez força para levantar, mas a sua volta, formaram-se correntes, elos de tecido tramados, e seu esforço lhe pareceu vão. Em seu entorno, o mundo andava e, enquanto em seu pensamento surgiam um turbilhão de ideias que se confundiam com a realidade, ela permanecia estancada, imóvel, praticamente extinta, confusa em seu mundo de sonhos. Vozes sussurravam em seu ouvido canções de ninar e o frio lá fora parecia que iria não só lhe arrancar a alma, mas também a rasgar em  pequenos pedaços de gelo, antes de despedaçá-los no chão.
Tentou uma última vez se desvencilhar daquela maré de cobertores e conforto que surgiam a sua volta, inutilmente. Parou de resistir, afinal... Talvez não faria mal se ficasse mais uns 30 minutinhos na cama.



Depois de anos, volto a escrever. Talvez não com toda a intensidade de antes, ou paixão, ou facilidade, mas acho que é uma coisa que se desenvolve com a prática. Da falta, surgiu o desejo que se instalou em mim, e então a oportunidade me veio. Uma situação corriqueira, devo admitir, praticamente banal. Mas que foi o estopim para que meu cérebro começasse a trabalhar quase que sozinho.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Here and Back Again


Bem, cá estou eu aqui de novo! Depois de quanto tempo? Décadas talvez? Quem sabe ao certo... A questão é que parei de escrever: primeiro por falta de tempo, depois por falta de criatividade, e dessa forma e estanquei nesta situação. 
Nunca mais peguei uma caneta que não fosse para copiar a matéria ou fazer lista de compras. Nunca mais digitei nada que não fosse trabalhos, pesquisas o chats no facebook. Quando me propunha a escrever, nada vinha e minha mente logo se ditraía com a formiga que passava ou como o sol que refletia na janela. 
A questão é que essa falta de tempo virou comodismo, e passei a me acostumar com a saudade que escrever me dava. Afinal, sentir saudade é uma coisa tão natural no meu mundo de hoje que, o que seria apenas mais uma coisa para somar à lista?
Ando numa fase meio revoltosa, e hoje - talvez pelo fato de meu quarto não ter janelas para eu poder admirar o sol- me bateu uma indignação terrível em relação a mim mesma. Afinal, saudade de algo ou alguém que está distante  é uma coisa, mas sentir saudade de algo que você pode fazer a qualquer momento?  
Comecei então a tentar lembrar do motivo que me fez parar de escrever. "Falta de tempo", foi o que me veio à cabeça. Mas não me pareceu uma desculpa válida; falta de tempo todos temos, e se isso me impede de fazer as coisas agora, oxalá daqui a alguns anos, quando tiver que trabalhar, estudar, cuidar de casa e sabe-se - mais - o - que? Não! Falta de tempo não é desculpa, nunca foi e nunca será!
Há também o problema da criatividade, "não adianta escrever um texto sem sentido, que não se saiba sobre o que se vai escrever". Oxe! Minha vida nem sempre tem sentido e nem por isso isso eu deixo de viver!
E foi desta maneira que resolvi fazer esta postagem, não para dizer algo que realmete tenha valor, apenas para deixar registrado minha indignação com o comodismo. Coisa medonha! Nos faz deixar de fazer o que gostamos e ainda aprendermos a conviver com isso! Não mais! Informo a você, preguiça desvairada, que, assim como a falta de tempo não me impede de comer, dormir e respirar, ela também não irá me impedir de escrever. E que o céu caia sobre minha cabeça se eu voltar a me sentir triste por alguma coisa que eu  possa ter.

E assim fica o registro de minha indignação ao mundo.